Pandemia acabou fortalecendo o investimento em imóveis no Brasil. Em Goiás, lançamentos atendem a novos nichos, além dos tradicionais. Empresários estão com confiança em alta para 2021
Foto: Divulgação
Um ano em que a rotina da vida moderna foi sacudida. Em que certezas foram colocadas à prova, e algumas delas atravessaram o período turbulento e chegam em dezembro fortalecidas. É o que pode-se dizer sobre a construção civil e o mercado imobiliário que, no primeiro semestre, sofreram uma forte retração durante o período mais crítico do isolamento no Brasil, mas encerram o ano com uma forte retomada.
Os especialistas são unânimes: o cenário foi favorecido pela queda histórica da taxa básica de juros, que saiu de 6,5% em agosto de 2019 e alcançou 2% em 2020, foi o que mais contribuiu para que as vendas acontecessem. Enquanto o investidor do mercado financeiro buscou no imóvel uma opção mais rentável e segura, diante de remunerações baixas a seus investimentos, o comprador de imóvel para uso próprio passou a ter acesso a prestações menores com a queda de juros. Somado a isso, o isolamento social estimulou um novo olhar para a casa.
Para se ter uma ideia, o nível de atividade da construção, que tinha ficado abaixo dos 30 pontos em março e abril, chegou a mais de 50 pontos em outubro, segundo estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) com apoio da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC). Foi o nível mais expressivo da série histórica desde 2012, e a maior pontuação do setor ficou com a atividade de construção de edifícios e serviços especializados na construção.
O setor termina o ano com crescimento em vendas e com destaque na geração de empregos. Foi o campeão na geração de empregos formais no País, segundo números do Caged: 157.881 vagas de janeiro a novembro. As vendas cresceram em 8,4% em nove meses, aponta o estudo da CBIC, que ainda traz dados sobre a movimentação nos primeiros dez meses de 2020 sobre os empréstimos destinados à aquisição e construção de imóveis, com recursos da poupança: cresceram em quase 50% em relação a 2019, totalizando R$92,67 bilhões.
Goiás foi um dos estados em que a reação do mercado imobiliário. O ano foi marcado pela diversificação de lançamentos: além dos residenciais para todos os perfis de renda, a capital vem recebendo também os empreendimentos voltados para nichos como logística, setor aeronáutico, negócios internacionais, entre outros. No estado, os lançamentos foram fortalecidos também em razão da economia mais resiliente. O Produto Interno Bruto (PIB) do estado teve quedas menores ao longo do ano que a média nacional, ficando com baixa de 0,3% ante a média nacional de -3,9% no terceiro trimestre. O destaque foi o crescimento de 6% no PIB da indústria no período – no Brasil a participação da indústria caiu em -0,9%. No segundo trimestre, o destaque foi para o agronegócio estadual, com aumento de 4,6% de participação no PIB ante média do País de 2,5%.
Confira abaixo a análise dos especialistas goianos sobre o mercado imobiliário em 2020 e as perspectivas para o setor imobiliário goiano em 2021:
Impacto na queda de juros
“Cada ponto percentual a menos representa diminuição de cerca de 20% da parcela da casa própria. O cenário também trouxe de volta o investidor para o mercado imobiliário, pois as aplicações financeiras passaram a ser pouco atrativas”, diz Ricardo Teixeira, sócio da URBS Imobiliária. Mesmo com a possibilidade de aumento na taxa de juros para conter a inflação, ela deve continuar atrativa e manter o mercado aquecido, na expectativa do especialista, tanto em razão do aumento populacional quanto do bônus demográfico.
“Até 2040, o mercado imobiliário estará aquecido devido ao bônus demográfico no Brasil, que acontece quando a população na faixa etária em idade economicamente ativa é maior do que a população de idosos e crianças. Esse público se casará, terá filhos, poderá se divorciar, verá a casa ficar grande quando os filhos forem embora. Ritmos e movimentos naturais que movimentam da demanda imobiliária. Em Goiás, a população cresce acima da média nacional – 1,77% ante a 1,12%, segundo o IBGE.
Um desafio para 2021 é a diminuição do spread bancário [diferença entre a taxa de juros cobrada do mutuário e a taxa Selic], que ainda é alto. “A queda da Selic ainda não foi totalmente repassada para o consumidor que busca o financiamento”, diz.
Primeira moradia
“A demanda pela primeira moradia é muito alta no País, por isso, as vendas continuaram acontecendo mesmo com os prejuízos no emprego e renda causados durante o auge da pandemia. O desejo por ter a casa própria foi ainda mais reforçado em 2020: nunca foi tão importante ter o seu cantinho para sentir-se seguro em momentos de turbulência. Esse sentimento foi intenso especialmente nas famílias de baixa renda, que sofrem mais de perto os impactos de uma crise”, considera Flávio Mendes Garcia, diretor da Vila Brasil Engenharia, responsável pelo empreendimento de interesse social Porto Dourado em Goiânia.
Por outro lado, considera o executivo, a expectativa da retomada do emprego e renda é fundamental para que mais pessoas possam ter acesso à casa própria. “Mais famílias queriam a casa própria, mas não conseguiram porque ficaram desempregadas, endividadas e com capacidade de pagamento comprometida”, avalia. De acordo com a Agência Goiana de Habitação (Agehab), o déficit habitacional do estado chega a 153 mil moradias.
De acordo com a Agência Goiana de Habitação (Agehab), o déficit habitacional do estado chega a 153 mil moradias. Uma alternativa para a casa própria foi a aquisição do lote, que tem custo menor, tem financiamento direto com a urbanizadora, menos burocrático, e permite que a família se organize para a construção futura.
“O mercado de lote não sofreu tantos impactos durante a pandemia e acredito que, em Goiás, o agronegócio segurou nossa economia”, destaca o coordenador comercial do loteamento Jardim Alta Vista, Raul Tavares, que está sendo implantado em Trindade. Na fase de pré-venda, foram 50% de lotes lançados, informa. De acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), Goiás foi o sexto estado que mais gerou empregos entre janeiro e novembro de 2020, com saldo positivo de 28.200 contratações com carteira assinada.
Segunda moradia?
“A doença fez com que muitos passassem a valorizar ainda mais as relações interpessoais e oportunidade de convivência, especialmente em família. A busca por espaços mais amplos para o lazer ganhou força nesse contexto por causa da liberdade, contato com a natureza e maior segurança sanitária que oferecem. Outro fato que repercutiu nesse nincho é que as pessoas descobriram que podem produzir em casa e que as videoconferências solucionam distâncias. Com essa conectividade, a consequência é que será uma possibilidade real ampliar o tempo de estadia na moradia de fim de semana para os dias úteis também”, considera Leandro Daher, sócio da Tropical Urbanismo. Ele realizou o pré-lançamento durante a pandemia o Escarpas Eco Parque, um condomínio de lazer às margens do Lago Corumbá IV, em Abadiânia. As vendas alcançaram 50% e, a cada 10 pessoas que visitam o empreendimento, 7 compram, informa o empreendedor.
Um imóvel melhor para morar, mas sem excessos
“O lockdown despertou as famílias para a qualidade do imóvel onde se vive e aumentou o movimento em busca desse espaço. Por outro lado, a busca pelo conforto e sofisticação tem se tornado mais objetiva. As pessoas estão dispostas a investir mais, desde que seja para atender exclusivamente suas necessidades, e não por status”, considera o empresário imobiliário, Guilherme Pinheiro de Rezende, que desenvolveu o Zayn Home Marista, com conceito boutique imobiliário, para atender a essa busca pelo luxo sem excessos. De acordo com a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), ele não parou de crescer no Brasil em 2020. Mesmo com a pandemia, julho foi o melhor mês em vendas desde maio de 2014. As vendas totalizaram 34,8% maior do que no mesmo mês em 2019.
Ar puro, o novo ativo imobiliário
“Com a pandemia, ambientes ao ar livre ganham importância sanitária. Característica dos condomínios horizontais, eles ganham ainda mais adesão do consumidor, que já o valorizava pela possibilidade de segurança e liberdade”, considera Antônio Carlos da Costa, diretor da Tropical Urbanismo. A empresa registrou crescimento de 100% nas vendas de lotes do Aldeia do Vale Lado Alto, em relação ao ano anterior, e também obteve 60% de vendas só na abertura de vendas do Solaris Laguna, novo conceito de condomínio horizontal lançado na GO-020, ao lado do Wake Park.
Para o empresário, o isolamento social e suas repercussões vieram reforçar o quanto o goiano é afeito a esse tipo de moradia, que possibilita viver em casa com segurança, liberdade e qualidade de vida. “Era algo que já era apontado pelos nossos estudos de comportamento do consumidor, que tende a continuar em 2021 especialmente com a consolidação do trabalho remoto. E agora, passa também a ser reforçado com necessidade de se ter biossegurança, um quesito importante que passará a ser observado nos imóveis, pelas famílias”, arremata.
Empreendimentos logísticos se consolidam na região metropolitana
“O Brasil é um país de dimensões continentais, e o setor de logística, que já vinha crescendo em grande escala, auxiliando o setor produtivo, facilitando e reduzindo custos de transporte e armazenamento, teve um impulso muito grande com o advento da pandemia de COVID-19. O e-commerce atingiu um aumento de 80% em volume de transações entre abril e setembro, segundo a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm). O Estado de Goiás assumiu papel importante nesse ponto por estar no centro do País, e interligando as regiões norte/sudeste/sul e está se consolidando como um hub logístico. Empreendimentos com foco nesse mercado ganharam mais força, e não tenho dúvida de que, em 2021, o crescimento nessa área será bastante relevante”, diz Adalberto Bregolin, economista e especialista no setor imobiliário, e responsável pela comercialização do Global Park, loteamento de áreas específicas para indústrias e operadoras logísticas.
Ele informa que, no segundo semestre já foram comercializados 70 mil metros quadrados no empreendimento, que está preparado para receber grandes empresas, com atributos únicos como pistas amplas faixas de rolamento (18 metros de largura), o que facilita a manobrabilidade de grandes equipamentos rodoviários, asfalto reforçado e fibra ótica instalada para receber internet de alta velocidade. O crescimento em 2021 se dará por vários motivos, ele enumera, como o aumento das atividades de e-commerce, investimentos públicos e privados em ferrovias, rodovias e aeroportos, e investimentos privados, que sairão do rentismo e irão para o setor produtivo buscando maior rentabilidade, tendo em vista as baixas taxas de juros praticadas. “Acabou a era de se ganhar dinheiro apenas com aplicações. Para ter retorno, o investidor terá de investir no setor produtivo”, arremata.