“Vivemos em uma cultura de desperdício. A gente é leviano com muita coisa, não só com comida”, afirma Luciana Quintão, presidente da ONG Banco de Alimentos, que cita ainda o desperdício de água e energia como exemplos de maus hábitos do brasileiro.
“Tem gente que desperdiça por não conhecer ou porque não procura saber. Existe uma zona de conforto que as pessoas precisam mudar. Tudo isso: hábito repetitivo, falta de conhecimento, um não querer saber, vira uma coisa cultural”, avalia.
Embora esse comportamento seja diário, as pessoas não estão cientes dele. Segundo a pesquisa, apenas 23% dos brasileiros admitem desperdiçar comida quando perguntados diretamente. Os outros 77% afirmam que raramente ou nunca jogam alimentos no lixo. Mas, quando são questionados nos detalhes, como a frequência e a quantidade de alimentos jogados fora, a realidade é outra.
Para a coordenadora estadual do Mesa Brasil Sesc São Paulo, Luciana Gonçalves, a ideia antiga de que o Brasil é um País com recursos abundantes faz com que as pessoas achem que nunca vai faltar comida. “É um traço da população. Eu gosto da relação que já ouvi de que nunca vivemos uma guerra. Nossa realidade é que uns têm o que comer e outros não. A gente não sabe o que é não ter o que comer depois de amanhã. Isso reforça o hábito de que nossa mesa sempre tem de ser farta, abundante”, analisa.
O desperdício, segundo ela, independe das condições socioeconômicas das famílias – mas acontece em escalas distintas. De acordo com a pesquisa, feita com duas mil pessoas dos Estados Unidos, mil do Brasil e mil da Argentina, os americanos desperdiçam diária e semanalmente mais do que brasileiros e argentinos. Uma hipótese para o fato, segundo as fontes ouvidas pelo reportagem, é de que, quanto maior o nível socioeconômico, maior é o desperdício e menor a importância que se dá a ele.
Por que desperdiçam? Um dos motivos que levam as pessoas ao desperdício é a cegueira da geladeira. O termo traduz o hábito de, ao abrir a geladeira, não ver “nada de bom” para comer – embora haja alguns itens ali – ou ignorar os alimentos disponíveis. Às vezes, a pessoa não sabe o que fazer com eles, como combiná-los e acaba descartando-os ou comprando mais produtos.
Outros fatores apontados pela pesquisa são: comprar mais do que o necessário, aproveitar ofertas, comprar algo novo para experimentar (que depois não gosta e joga fora), não saber armazenar corretamente, ter menos confiança em suas habilidades na cozinha e não comer tudo o que foi preparado.
No geral, 72% dos que responderam a pesquisa sentem culpa quando jogam comida fora (sendo mais prevalente no Brasil, com 80%) e 69% se sentem mal pelo dinheiro que é gasto com a comida que foi para o lixo (taxa maior nos EUA, com 74%).
Itens variados disponíveis na geladeira podem ser combinados em uma nova receita. O site do Mesa Brasil disponibiliza uma lista de receitas de acordo com o ingrediente escolhido pelo internauta.
Autoconsciência
O desperdício de comida é um problema que pode começar a ser resolvido dentro de casa, mas poucas pessoas se responsabilizam por isso. A pesquisa indica que brasileiros e americanos culpam mais os restaurantes e lojas de comida do que eles mesmos. Na Argentina, a situação é levemente inversa.
Segundo a presidente da ONG Banco de Alimentos, uma mudança agora pode impactar as futuras gerações e só acontecerá por meio de “conscientização, autoeducação e de tomar para si a responsabilidade da construção do mundo a sua volta”.
Ela considera ainda que a grade curricular das escolas deveria incluir esse tipo de ensinamento. “Primeiro, promover o desenvolvimento integral desse ser humano. Depois, como lidar com a sociedade, qual seu papel nela, promover cuidados e desenvolver nos jovens o ideal de servir, no bom sentido”, diz.
Luciana Gonçalves, do Mesa Brasil, percebe mudanças individuais. Criado em São Paulo em 1994 e, desde 2003, presente em todo o País, o programa conta com grandes doadores – como supermercados, centrais de abastecimento e restaurantes – para fornecer alimentos que seriam descartados, mas ainda em bom estado, para instituições sociais. O processo envolve conversas com os funcionários dessas empresas.
“A gente explica o que pode ser doado, em que estado o alimento tem de estar e mostra para onde ele vai. A pessoa que antes separava tudo no estabelecimento percebe o tanto de alimento bom que jogava no lixo. Segundo ela, quando é revelada uma nova significação da importância do alimento, as pessoas passam a agir de forma diferente.
Fonte: R7