Microexplosões ou tornados? O evento atmosférico que atingiu Campinas (SP) na madrugada de domingo (05) divide a opinião de especialistas. A geógrafa do Instituto de Geociências da Unicamp Lucí Hidalgo Nunes afirma que vários tornados passaram pela cidade e não descarta a possibilidade de os dois fenômenos terem ocorrido na mesma tempestade. Se isto for comprovado, será um fato inédito na literatura científica, segundo a especialista.
A opinião de que houve tornados contraria a avaliação da diretora do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura da Unicamp (Cepagri), Ana Ávila, que defende apenas a ocorrência de microexplosões.
Especialista em eventos extremos da atmosfera, Lucí diz ser nítido o movimento retorcido em algumas árvores.
“Já presenciei impactos de outros tornados e vi aqui em Campinas trajetórias bem definidas. Vi clareiras e o que mais chamou minha atenção foi o bambuzal retorcido. Vi árvores caídas em direções opostas, o que revela um movimento dinâmico e rotatório. A retorção é uma assinatura do tornado”, atesta a professora.
Diante da velocidade dos ventos e dos estragos causados na cidade, a pesquisadora não descarta a possibilidade de microexplosões e tornados terem atingido a cidade em uma mesma tempestade.
“Não tenho conhecimento, na literatura, de que os dois fenômenos já tenham acontecido ao mesmo tempo, mas não é uma possibilidade absurda. Eles podem ocorrer ao mesmo tempo. Tivemos na cidade uma tempestade com potencial tornático, que apresenta uma condição atmosférica com muita energia. A mesma nuvem favorece um ou outro fenômeno. Não vejo contradição, não é improvável. O que eu tenho certeza é que foi tornado. Até mais de um tornado em uma mesma nuvem. Não foi o mesmo tornado que atingiu esses diferentes setores”, acredita a especialista.
Ainda na avaliação de Lucí, a foto [abaixo] apontada como o início de uma microexplosão seria apenas o indício de uma grande tempestade.”A foto é muito didática e interessante, mas não me parece um indicativo de microexplosão. Ela é o indício de uma chuva muito poderosa e com grande potencial de estragos como, de fato, ocorreu”, acredita.
Já a diretora do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura da Unicamp (Cepagri), Ana Ávila, que, em um primeiro momento, cogitou ter sido um tornado, acredita que a foto mostra o surgimento de uma microexplosão.
Segundo Ana, é importante observar na foto o vórtice inferior da nuvem. No caso de um tornado, ela explica, este vórtice seria bem semelhante ao da imagem, mas tocaria o solo. Segundo a diretora do Cepagri, no fenômeno da microexplosão, o vento faz uma varredura na área onde cai.
Entenda a diferença
Tornados e microexplosões têm origem na mesma nuvem, a cumulonimbus, e os dois são fortes correntes de ar. A diferença entre os dois fenômenos está na assinatura que deixam no solo. Uma microexplosão acontece quando uma forte rajada de vento sai da base da nuvem em direção ao solo, provocando um forte estouro que deixa quase uma linha reta de destruição, especialmente árvores tombadas para o mesmo lado.
Já o tornado é uma forte corrente de ar que desde de forma espiral e deixa o local muito mais desordenado do que a microexplosão. Por ter essa característica girtória, quando acaba um tornado é possível ver que os objetos foram deslocados no sentido de redemoinho. De maneira geral, o tornado não tem uma direção definida e, ao fim da tempestade, o ambiente atingido está muito mais bagunçado e remexido.
Prevenção
Identificar que tipo de fenômeno atingiu a cidade não é um preciosismo acadêmico. Segundo a geógrafa, saber exatamente o que aconteceu pode ajudar a montar planos de prevenção de desastres.
“A gente consegue prever a formação de uma condição de tornado com até 40 minutos. Avisar a população de que está sendo formada uma tempestade com potencial tornático pode fazer a diferença. As pessoas teriam tempo para se abrigar. É preciso investir na vida humana”, explicou Lucí.
Ela reclama ainda da atuação de alguns síndicos de condomínios das áreas atingidas, que já não permitem mais a entrada dos pesquisadores da Unicamp para avaliação e mensuração dos estragos.
“Alguns síndicos já não permitem mais nossa presença para observar os estragos. Isso é um absurdo. É preciso saber o que aconteceu. O Brasil precisa ter uma cultura de prevenção destes desastres. É preciso conhecer os fenômenos que acontecem aqui. Temos que saber a quais fenômenos somos sujeitos, quais situações atmosféricas são passíveis. Podemos ter bolo de maçã ou chocolate, os ingredientes similares, mas são bolos diferentes. Um tornado tem uma série de ingredientes diferenciados”, concluiu a pesquisadora.
Chuva de raios
Outra característica da tempestade que chamou a atenção dos moradores da cidade foi a enorme quantidade de raios. Dados fornecidos pela Rede Brasileira de Descargas Atmosféricas (BrasilDAT), operados com exclusividade pelo Grupo de Eletricidade Atmosférica (ELAT) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) revelam que, entre as 20h de sábado (4) e 2h40 de domingo, foram registrados 1.450 raios em Campinas.
O fenômeno voltou a acontecer e, das 18h de domingo à 1h40 de segunda-feira (6) foram 553 descargas elétricas. Segundo as refrências dos pesquisadores do Elat, a partir de 100 raios por dia a incidência é considerada alta, mas dentro da média.
Fonte: G1