De acordo com o médico psiquiatra Frederico Porto muitas pessoas que tiveram a doença podem ficar em estado de alerta exacerbado com receio do futuro e também padecer no enfrentamento da perda e do luto
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A revista científica The Lancet Psychiatry publicou recentemente um estudo da Universidade de Oxford jogando luz sobre uma possível associação entre covid-19 e distúrbios neurológicos e psicológicos. De acordo com a pesquisa, realizada com mais de 236 mil pessoas, a maioria dos EUA, após seis meses do diagnóstico, aproximadamente 34% dos pacientes que desenvolveram a forma leve da doença apresentaram algum problema de ordem neurológica, como, por exemplo, comprometimento cognitivo, que se caracteriza pela perda da memória recente ou problemas como distúrbios de ansiedade e humor, incluindo a depressão. No que diz respeito a pacientes que passaram pela UTI, a população afetada chega a 46%.
O médico psiquiatra, nutrólogo, especialista em medicina integrativa, Frederico Porto, explica que normalmente o vírus ao infectar uma célula apresenta alguns trofismos específicos, ou seja, caracteriza-se por causar lesões em alguns tecidos. “No caso da Sars Cov-2, a predileção é por atacar o sistema nervoso. A prova disso é que uma das sequelas mais comuns entre pacientes com covid-19 é a perda do olfato e do paladar”, afirma. Nesse sentido é que pode ser explicado o desenvolvimento de distúrbios neurológicos em pacientes acometidos pelo novo coronavírus.
Em relação ao motivo de pacientes que tiveram covid-19 em sua forma leve ou grave começarem a apresentar quadros de ansiedade e depressão, Porto acredita ser necessário explicar inicialmente, de forma breve, como esses distúrbios podem ser definidos. “A ansiedade é um estado emocional do futuro. Ninguém fica ansioso por algo que já passou”, afirma. Dessa maneira, conforme o psiquiatra, em um mundo marcado por incertezas, é de certa forma esperado que fiquemos cada vez mais ansiosos. Já a depressão pode vir na esteira do cansaço e do esgotamento sentidos diante de desafios que acreditamos ser maiores do que possamos enfrentar ou da perda e do luto.
Então, durante a pandemia, de acordo com Porto, fica claro porque quadros de ansiedade puderam se instalar nos indivíduos. “Primeiro, pelo medo de ser infectado. Quem já se infectou, pelo temor de desenvolver uma forma grave da doença. Posteriormente, receando a intubação e por último a morte”, diz. Tudo isso, obviamente, faz com que as pessoas fiquem em estado de alerta, sempre esperando pelo pior, mesmo após já terem se curado. “É como se a pessoa tivesse passado por uma guerra, o que faz com que muitas desenvolvam por exemplo transtorno de estresse pós-traumático (TEPT)”, explica o médico psiquiatra.
Já a depressão está relacionada com a percepção da fragilidade da existência humana e durante a pandemia isso foi sentido principalmente por aqueles que padeceram com a doença ou pelos que perderam um ente querido. Trata-se, segundo Porto, não apenas de se defrontar com a morte em muitos casos, mas também de precisar lidar com situações que parecem momentaneamente bem além de nossas forças. “Uma mãe, por exemplo, que passou semanas em uma UTI por causa das sequelas da covid-19, ao voltar para casa e se deparar com filhos para cuidar, é normal que possa apresentar um quadro de depressão, afinal de contas sente que a tarefa é muito pesada para um momento tão delicado”, explica.
O médico psiquiatra pondera que, não obstante ter sido sentida com muita força por aqueles que se infectaram, a pandemia afetou todos sem distinção. Segundo Porto, mesmo os que não pegaram a doença, tiveram que fazer concessões e enfrentaram as limitações de sua existência. “Então, por exemplo, aquele indivíduo que corria ou fazia algum exercício físico ao ar livre para lidar com a rotina estressante de trabalho se viu, de uma hora para outra, sem poder sair de casa. Ele perdeu sua válvula de escape e isso certamente serviu para que desenvolvesse ansiedade”, diz.
Porto observou um padrão de comportamento em alguns de seus pacientes durante a pandemia que os levaram a desenvolver distúrbios psicológicos. O primeiro passo, conforme ele, é a piora do sono, com a queixa de que a mente está cansada e o corpo não. Logo depois surge a ansiedade seguida de momentos depressivos. “Isto porque com o tempo as pessoas percebem que a vida não voltou ao normal tão rápido como esperavam e é possível que ela nunca volte. Diante disso, advém uma sensação de perda, que é sentida como luto por uma vida que a pessoa tinha e que não tem mais”, relata.
Sobre a depressão e a ansiedade, o médico psiquiatra observa que nem toda a tristeza se caracteriza como um estado depressivo e nem toda a ansiedade é patológica. “São estados dimensionais”, diz. A ansiedade, em alguma medida, é necessária para nos mobilizar a realizar tarefas. Já estar triste não é ter depressão, pois tristezas são estados emocionais normais na vida de um ser humano.
Para saber se ansiedade e a tristeza extrapolaram o limite do aceitável, Porto sugere observar alguns comportamentos pontuais. A depressão, por exemplo, é marcada pela desesperança em relação ao futuro e por deixar de sentir prazer em atividades que costumavam ser prazerosas e continuam sendo possíveis de serem feitas.
Dificuldade para dormir também pode ser um indicativo de que algo não anda bem com a saúde mental. “Quem está com ansiedade alta, normalmente, apresenta dificuldade de iniciar o sono. Já as pessoas que estão com quadro depressivo costumam acordar no meio da madrugada, sem depois conseguirem dormir novamente”, explica. Claro, destaca o médico psiquiatra, o sofrimento varia de indivíduo para indivíduo e cabe a ele definir o quanto aquilo complica sua vida a ponto de buscar tratamento.
Porto enfatiza que a procura por um médico psiquiatra é essencial para que o paciente receba um diagnóstico do distúrbio e o tratamento adequado, que pode ser feito apenas com medicação, somente com psicoterapia ou por meio de ambos. Não obstante, o especialista em medicina integrativa sugere algumas dicas que podem ser realizadas por conta própria para mitigar os efeitos da ansiedade e de quadros depressivos. “Devemos procurar ter rotinas saudáveis, nos cuidando nas esferas física, emocional, mental e espiritual como seres integrais que somos”, afirma.
Nesse sentido, na dimensão física, Porto sugere cuidar da alimentação e da higiene do sono, além de praticar exercícios. Na esfera emocional, recomenda reconstruir, resgatar, cuidar das relações, familiares e profissionais, que certamente foram abaladas nessa pandemia. Na parte mental, sugere praticar o aqui e o agora, com a pessoa procurando se blindar do excesso de pensamentos e diminuir as distrações, como o uso do celular durante as refeições. “E claro, por último, com relação à dimensão espiritual, procure sempre dar um significado maior ao momento que a humanidade está passando e valorizar a si buscando ter esperança no futuro”, diz.
De acordo com Porto, se por um lado a pandemia de covid-19 desnudou a fragilidade da existência humana, por outro lado, mostrou que cada vida vale bastante. “Podemos usar essa catástrofe para dar valor por estarmos vivos, celebrando nossa existência”, conclui.
Sobre Frederico Porto
Formado em medicina pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com especialização em psiquiatria pelo Hospital das Clínicas da mesma universidade, apresenta ainda a formação de nutrólogo pela Associação Brasileira de Nutrologia (Abran). Atua como professor convidado da Fundação Dom Cabral, em Belo Horizonte, e consultor sênior associado a consultorias internacionais. É palestrante in company e autor de dois livros.